terça-feira, 13 de abril de 2010

Considerações sobre o Feminismo




* Por Nelson Junior

Hodiernamente as mulheres passaram a ter acesso a dinheiro e a trabalho fora do espaço doméstico (profissionalização das mulheres), fato que tem contribuído para o enfraquecimento do paternalismo generalizado.

Os movimentos feministas, pelo menos nos dois últimos séculos, têm estado sempre presentes na história, mas nunca assumiram uma dimensão tão vasta e profunda como o feminismo atual.

A palavra feminismo teve origem no contexto político francês do século XIX para designar os diferentes grupos que, de uma maneira ou outra, tentaram melhorar a situação das mulheres.

Em decorrência do inarredável e necessário fortalecimento do movimento feminista, toma força a Teoria Feminista do Direito (Feminist Jurisprudence), que tem refletido na publicação de leis protetivas às mulheres.

A subordinação das mulheres aos homens é um fenômeno transgeográfico e transcultural, que ainda não desapareceu com o desenvolvimento econômico capitalista e nem com a legislação sobre igualdade.

A proibição de diferenciação de tratamento entre mulheres e homens em quase todos os domínios sociais, se destina fundamentalmente a melhorar a situação da mulher.

As leis sobre a igualdade de tratamento não produzem, só por si, resultados iguais e justos, nem no plano individual nem no plano coletivo. Muitas vezes acontece precisamente o contrário, isto é, para que haja igualdade é necessário um tratamento desigual, de forma a garantir às partes ou grupos desfavorecidos oportunidades de igualdade de mérito equivalente.

A atual insuficiência de representação das mulheres nas organizações e nos cargos políticos importantes pode considerar-se conseqüência natural da antiga concepção de mulher e resultado das velhas políticas discriminatórias que excluíam consciente e sistematicamente de cargos na vida pública.

No Brasil, há apenas 9% de representatividade das mulheres no parlamento. No nosso vizinho, Argentina, a representatividade feminina no parlamento é de 40%.

Os homens e as mulheres vestem-se de maneiras diferentes, têm ocupações diferentes, desempenham funções diferentes no trabalho, na família e na vida pública, distraem-se de maneiras diferentes. Não é, porém, nas diferenças que reside o problema. A questão está no modo como elas são mutuamente hierarquizadas e no fato de, na avaliação que a sociedade faz dos sexos, as qualidades, as características, os valores e as atividades das mulheres estarem sistematicamente subordinadas aos homens.

Fruto dessa hierarquização, as mulheres frequentemente surgem como algo diferente dos homens ou “inferior” a eles.

Ledo engano, ser mulher é um atributo pessoal, no qual a legislação brasileira atribuiu relevância jurídica.

Não há na nossa Constituição Federal uma só linha que autorize darmos tratamento diferenciado a homens e mulheres quando em voga a condição de partes processuais ou vítimas de crime. É exatamente isso que a lei de violência doméstica faz: concede uma série de instrumentos de proteção à mulher somente tendo em vista o sexo. A violência doméstica cometida contra a mulher enseja medida protetiva, contra homens não.

“Quem ama não mata”, “Em briga de marido e mulher, vamos meter a colher”, “Homem que é homem não bate em mulher”, toda mulher tem direito a uma vida livre de violência”, Sua vida recomeça quando a violência termina”, “Onde tem violência todo mundo perde”. Foram muitos os slogans utilizados nas campanhas que trouxeram para o espaço público aquilo que se teimava em dizer que deveria ser resolvido entre as quatro paredes do lar.

O silêncio acentua ainda mais a desigualdade e a injustiça. E é nesta complexa articulação do Direito com a vida que surge a Lei Maria da Penha.

Com a Lei Maria da Penha o Brasil passou a enxergar a violência doméstica e familiar contra a mulher.

A Lei Maria da Penha, além de não fazer discriminação entre homens e mulheres, é uma medida compensatória, que visa remediar desvantagens históricas, consequentes de um passado discriminatório.

A Lei Maria da Penha está entre as três melhores leis do mundo com relação ao enfrentamento à violência contra as mulheres no relatório bianual do Unifem (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher).

A violência contra a mulher não é um ponto isolado na história, mas sim fruto de um processo cultural da sociedade moderna.

Um dado colhido no site da Fundação Perseu Abramo (HTTP://www.fpabramo.org.br) é bastante ilustrativa: “A projeção da taxa de espancamento (11%) para o universo investigado (61,5 milhões) indica que pelo menos 6,8 milhões, dentre as brasileiras vivas, já foram espancadas ao menos uma vez. Considerando-se que entre as que admitiram ter sido espancadas, 31% declararam que a última vez que isso ocorreu foi no período dos 12 meses anteriores, projeta-se cerca de, no mínimo, 2,1 milhões de mulheres espancadas por ano no país (ou em 2001, pois não se sabe se estariam aumentando ou diminuindo), 175 mil/mês, 5,8 mil/dia, 243/hora ou 4/minuto – uma a cada 15 segundos.

Nossa realidade, infelizmente não é diferente, um levantamento do Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres em Mato Grosso mostra que 78.168 mulheres foram vítimas de violência entre agosto de 2006 e agosto de 2009 em 8 (oito) dos 141 municípios do Estado. O volume equivale à população do município de Tangará da Serra, localizado na região médio-norte do Estado. A pesquisa se baseia em dados oficiais, mas o número da violência pode ser no mínimo duas vezes maior, se considerada a subnotificação e a falta de registros por parte das vítimas.

O tempo urge, é necessário que o Governo do Estado de Mato Grosso faça adesão ao Pacto Nacional pelo Enfrentamento a Violência contra as Mulheres, com o fito de garantir recursos federais para construir casas de abrigos, oferecer cursos de capacitação às mulheres vítimas de violência, bem como realizar trabalhos de prevenção.

A violência doméstica traz em seu âmago a ausência de uma estrutura familiar edificada nos valores mais caros à convivência humana em núpcias, notadamente o respeito, cumplicidade, companheirismo, amor, etc, de sorte que ao agressor são impostas medidas restritivas de direitos na forma estabelecida pela Lei nº 11.340/2006, também denominadas medidas protetivas de urgência, bem como, em casos mais graves, prisões cautelares, tudo visando à cessação imediata dos atos de violência e impedimento de suas renovações.

As medidas protetivas, só para que se entenda, correspondem a um dos desdobramentos que um fato envolvendo violência doméstica, e tendo a mulher como vítima, pode ter. A outra é a penal e processual penal. As medidas protetivas, vão desde a prestação de alimentos até o afastamento do agressor do lar ou determinação de distância mínima em relação à ofendida e/ou parentes, impostas pelo Juiz.

Para caracterização da aplicação da Lei Maria da Penha, é preciso existir nexo causal entre a conduta criminosa e a relação de intimidade existente entre autor e vítima. Ou seja, a prática violenta deve estar relacionada ao vínculo efetivo existente entre vítima e agressor.

Apesar das vitórias alcançadas pela Lei Maria da Penha, há de se considerar a tese da socióloga Julita Lemgruber, ressaltando que “em alguns países, legislações muito rígidas desestimulam as mulheres agredidas a denunciarem suas agressões e registrarem suas queixas. Sempre que o companheiro ou esposo é o único provedor da família, o medo de sua prisão e condenação a uma pena privativa de liberdade acaba por contribuir para a impunidade.

É urgente que se amplie o conhecimento das experiências alternativas à imposição de penas de prisão nesta área, pois já existe evidência de que, em vários casos, o encarceramento de homens pode aumentar, ao invés de diminuir, os níveis de violência contra a mulher e as taxas gerais de impunidade para esse tipo de crime.

Hoje, notam-se progressos. Mas o Direito é um campo onde as transformações se produzem lentamente. O Direito, enquanto instituição, contribui em grande medida para a manutenção da tradicional hegemonia masculina na sociedade. Por outro lado, o Direito é um terreno propício ao desenvolvimento de regras que podem dar origem a transformações importantes, inclusive na relação entre os dois sexos.

Mas infelizmente, em determinadas situações (Brasil), a legislação está mais avançada do que o desenvolvimento da sociedade, gerando um defasamento entre a realidade dos fatos e a lei. A lei presume uma igualdade, porém sem existência real, criando, assim, conseqüências imprevistas e involuntárias quanto à situação das mulheres.

Cidadania não é só votar, é participação democrática e efetiva na vida política e jurídica da nação, e todas as leis, diretamente ou indiretamente, têm reflexos sobre nossas vidas. Cada um de nós, como responsável pelo legislador (quem faz as leis), é também responsável pelas leis que ele produz e pelas conseqüências, boas ou ruins, presentes e futuras, diretas ou indiretas, que delas dimanam, nas nossas vidas e nas vidas dos outros.

A Lei Maria da Penha é o principal marco legislativo na defesa de uma vida sem violência para a mulher. É um basta à permissividade cultural, à apatia governamental, à leniência judicial.

Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência. Este é o nosso desejo e deve ser o nosso compromisso.

*NELSON GONÇALVES DE SOUZA JUNIOR, Defensor Público do Estado de Mato Grosso, Coordenador dos Núcleos das Defensorias Públicas de Peixoto de Azevedo e Terra Nova do Norte-MT, Responsável pela instalação do Núcleo da Defensoria Pública da cidade de Itaúba-MT, formado pela Faculdade de Direito de Presidente Prudente-SP (TOLEDO), Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina-PR.